terça-feira, 30 de junho de 2015

As Maravilhas de Portugal, o património à descoberta no Google

Agora é possível fazer uma visita virtual a mais 57 locais de interesse e de diferentes “composições”: Aldeia histórica de Piodão, Cabo da Roca, Estádio da Luz, praia da Nazaré, Zoomarine, Jardim da Estrela, Sé Catedral de Braga, Palácio dos Duques de Bragança ou Parque Natural do Alvão, entre outros. 
 Foram precisos 62 dias e mais de 12 mil quilómetros percorridos de norte a sul para que os serviços da Google recebessem a maior expansão de património cultural português. Palácios, jardins, praias e até recintos desportivos fazem agora parte da coleção.
“Esta parceria com a Google, mais do que uma visita aos locais, estimula a aproximação das pessoas ao património, entendendo-o como um projeto de cidadania, através da sensibilização para a importância da sua preservação, salvaguarda e valorização”, salienta em comunicado Nuno Vassallo e Silva, diretor-geral da direção do património.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

«O Pai»

Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.

Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.

Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.

Depois... Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.

Olha, minha juventude foi um puro
botão que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.

O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar... E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.

Escutarei de noite as tuas palavras:
... menino, meu menino...

E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.

Pablo Neruda, in "Crepusculário"

segunda-feira, 22 de junho de 2015

«O Homem e o Mar»

Homem livre, o oceano é um espelho fulgente
Que tu sempre hás-de amar. No seu dorso agitado,
Como em puro cristal, contemplas, retratado,
Teu íntimo sentir, teu coração ardente.

Gostas de te banhar na tua própria imagem.
Dás-lhe beijo até, e, às vezes, teus gemidos
Nem sentes, ao escutar os gritos doloridos,
As queixas que ele diz em mística linguagem.

Vós sois, ambos os dois, discretos tenebrosos;
Homem, ninguém sondou teus negros paroxismos,
Ó mar, ninguém conhece os teus fundos abismos;
Os segredos guardais, avaros, receosos!

E há séculos mil, séc'ulos inumeráveis,
Que os dois vos combateis n'uma luta selvagem,
De tal modo gostais n'uma luta selvagem,
Eternos lutador's ó irmãos implacáveis!

Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"

quinta-feira, 18 de junho de 2015

«Ode para o Futuro»

Falareis de nós como de um sonho.
Crepúsculo dourado. Frases calmas.
Gestos vagarosos. Música suave.
Pensamento arguto. Subtis sorrisos.
Paisagens deslizando na distância.
Éramos livres. Falávamos, sabíamos,
e amávamos serena e docemente.

Uma angústia delida, melancólica,
sobre ela sonhareis.

E as tempestades, as desordens, gritos,
violência, escárnio, confusão odienta,
primaveras morrendo ignoradas
nas encostas vizinhas, as prisões,
as mortes, o amor vendido,
as lágrimas e as lutas,
o desespero da vida que nos roubam
- apenas uma angústia melancólica,
sobre a qual sonhareis a idade de oiro.

E, em segredo, saudosos, enlevados,
falareis de nós - de nós! - como de um sonho.

Jorge de Sena, in 'Pedra Filosofal'

terça-feira, 16 de junho de 2015

«A Forma Justa»

Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"

quarta-feira, 10 de junho de 2015

«Há Palavras que Nos Beijam»

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

segunda-feira, 8 de junho de 2015

«Identidade»

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

quarta-feira, 3 de junho de 2015

«Poema dum Funcionário Cansado»

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita

estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos,
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só

Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?

Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música

São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma noite só comprida
num quarto só

António Ramos Rosa, in 'O Grito Claro'