quarta-feira, 10 de abril de 2019

Os Livros de Abril - Sugestão


Filipe Homem Fonseca

A Imortal da Graça

Filipe Homem Fonseca (n. 1974) é um veterano da escrita de textos humorísticos para teatro, televisão, rádio, cinema e Internet, atividade que lhe trouxe o reconhecimento do meio e também do público, e que ajudou à personalização de uma escrita que se reflete igualmente nos romances de que é autor. O terceiro chama-se A Imortal da Graça e introduz-nos na Lisboa atual com contornos de distopia. As idosas do bairro da Graça tecem cenários e conspiram para tentarem chegar ao pódio da mais velha de todas. À sua volta outras personagens, igualmente sitiadas pelas obras que não têm fim, levam existências sonhadas, adiando planos, algo que o escritor acentua sublinhando uma estagnação comum que é olhada de vários pontos de vista. As personagens são definidas com eficácia, mordacidade, em poucas linhas. O livro é também fértil em aforismos. Como este: “A felicidade é, também, uma espécie de conveniência dos afectos e das disponibilidades.” Quetzal
Nuno Júdice
O Café de Lenine
Escrever um romance é “um trabalho que nos envolve, mas que, ao mesmo, tempo, nos liberta dessa qualquer coisa que existe algures, dentro de nós, e que temos de materializar para descobrir do que é que se trata”. Nuno Júdice, poeta, ensaísta, e ficcionista, escreve um romance pós moderno cujo tema é justamente a criação de um romance. O que escrever? Como começar? Como criar uma personagem sabendo que “um personagem é um ser incómodo para o escritor. Precisa de um nome de um corpo, de uma psicologia (…) e de um contexto”? Mas, rapidamente surgem desvios e o autor envereda por caminhos secundários: compara com humor a inspiração aos mosquitos, o tabaco às ideologias, as cigarras a Deus. Atravessa várias épocas e cruza personagens literários e figuras históricas, faz-nos conviver com Fabrice del Dongo em Waterloo, com Ema Bovary no Luxemburgo ou testemunhar uma conversa de café entre Guerra Junqueiro e Lenine. São, afinal, esses múltiplos desvios que enformam a matéria de um romance que se repensa, combinando ficção, crónica, memória e reflexão. Dom Quixote
Maya Angelou
Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola
Maya Angelou, figura fundamental da cultura afro-americana e dos direitos civis nos EUA, incentivada pelo seu amigo, o escritor James Baldwin, publicou este seu primeiro volume autobiográfico em 1969. A obra constitui um dos mais impressionantes documentos humanos do século XX, sobre a experiência de uma mulher negra vítima de dupla discriminação, de género e de raça. É também um exemplo notável de capacidade de superação face à adversidade. O título cita um verso de Sympathy, de Paul Laurence Dunbar e recorre à metáfora do “pássaro na gaiola” para representar a condição da escravatura e as suas marcas na identidade negra. O canto do pássaro assume também um duplo significado: simbólico (através do seu primeiro livro, Maya procura “a sua voz” enquanto escritora) e literal (em consequência de ter sido violada em criança, Maya deixou de falar durante cinco anos). Maya Angelou foi um pássaro que, até à data da sua morte, em 2014 aos 86 anos, não parou de cantar, pois “não há maior sofrimento do que guardar uma história por contar dentro de nós.“ Antígona


Fernanda Botelho

A Gata e a Fábula

O romance A Gata e a Fábula tem no seu cerne a revisitação das origens, do mundo da infância. Aquando da sua publicação original, em 1960, as suas personagens desvendavam uma geração que, então, se afirmava e questionava no mundo do pós-guerra português. A história desenvolve-se em torno de um grupo de mulheres pertencentes à aristocracia empobrecida, que procuram manter o estatuto através do casamento. Fernanda Botelho traça um apurado retrato social da sua época, trabalhando processos narrativos, que versam sobretudo o monólogo interior das personagens. Escreve Marcelo G. Oliveira no prefácio da presente edição: “Talvez uma das características fundamentais de todo o percurso de Fernanda Botelho seja a forma com a sua obra sempre conseguiu escapar a rótulos e a apreciações convencionais, revelando uma integridade inexcedível na sua constante e pessoalíssima busca por uma expressão justa da condição humana nesse Portugal da segunda metade do século XX.” Abysmo