terça-feira, 5 de abril de 2016

400 anos sem Shakespeare: autor revolucionou o teatro, a linguagem e a literatura



“Ser ou não ser. Eis a questão”. “O amor é cego” - “Até tu, Brutus” - “Meu reino por um cavalo” - “Há algo de podre no reino da Dinamarca” - “Isso parece grego pra mim” - “Nem tudo o que reluz é ouro” - “O que não tem remédio, remediado está” - “Mais pra lá do que pra cá” - “Sem pregar o olho” - “Dias melhores virão”.
Você sabe quem criou essas frases e expressões tão populares?
Todas nasceram da cabeça de William Shakespeare (1565-1616) e fazem parte de diálogos de suas peças. Ele foi autor de 38 peças (entre históricas, comédias e tragédias), como Hamlet, Romeu e Julieta, Otelo, Macbeth, Sonho de Uma Noite de Verão, Ricardo III, Rei Lear, A Megera Domada, A Tempestade, entre outras. Fora dos palcos, escreveu 154 sonetos e uma variedade de outros poemas. Apesar de essas histórias terem sido escritas há séculos atrás, elas ainda são atuais e trazem temas que nos preocupam até hoje.
Shakespeare escreveu os maiores clássicos do teatro se tornou o dramaturgo mais conhecido de todos os tempos, tendo influenciado toda a produção teatral e literária que viria depois. Também é o mais encenado do mundo. Em 2016 comemoram-se os 400 anos do nascimento do bardo inglês, que morreu aos 52 anos de idade.
Mas em que contexto surgiu o dramaturgo e qual foi o seu legado?
O mundo de Shakespeare era um mundo em transição, transformado pelo Renascimento, pelas Grandes Navegações que descobriram o Novo Mundo, pelo iluminismo e heliocentrismo de Copérnico (que provou que a Terra girava em torno do Sol). Novas tecnologias apareceram e mudaram tudo, como a invenção da prensa de Gutenberg, que permitia a cópia de livros e impressos. As cidades começaram a crescer e a burguesia a florescer, resultado das atividades mercantis. Um mundo com maior presença da razão começava a ganhar força e a moldar as raízes do homem contemporâneo. Apesar disso, guerras e violência também se alastravam pela Europa, principalmente para a formação de Estados.
O período que compreende o reinado da rainha Elizabeth I (1558-1603) é considerado o auge do renascimento naquele país, com os maiores destaques para a literatura e a poesia. Nessa época, um grupo de jovens escritores começou a escrever peças e deu início ao chamado teatro elisabetano, que se tornou o principal meio de entretenimento de massa da época. Entre 1560 e 1642, mais de 50 milhões de pessoas passaram por casas de espetáculos, um número soberbo se pensarmos que a Inglaterra tinha 4,8 milhões de habitantes em 1600.
Os teatros, na época, eram amplos prédios de madeira, abertos no teto e geralmente circulares. Eles atraiam um grande público, que se distribuía em bancos ao redor do palco. No teatro elizabetano, os autores exploraram novos gêneros como as comédias românticas e as tragicomédias. O teatro começou a disseminar a mudanças de costumes. Algumas companhias realizavam turnês pelo interior, levando os espetáculos, recheados de críticas sociais, para públicos que viviam longe das grandes cidades, divulgando novas ideias e aumentando o interesse popular pela arte.
Filho de um rico comerciante, em 1591, o jovem William Shakespeare decidiu sair da cidadezinha de Stratford-upon-Avon e se mudou para Londres. Não se sabe ao certo como começou a carreira. Tornou-se ator, escreveu peças e virou diretor do Teatro Globe, o mais prestigiado da capital. Sua trupe era considerada a número 1 da cidade e se apresentava para todo tipo de plateia, conseguindo entreter ao mesmo tempo os nobres e o povo. O dramaturgo assimilou o que já havia sido feito e impulsionou sua criação em uma grande variedade de gêneros, como o drama histórico e a comédia romântica.
A Idade Moderna tirou Deus do centro do universo e colocou o homem em seu lugar. Uma das características do Renascimento é o individualismo, que se transformou em otimismo, na medida em que ampliou a crença nas próprias potencialidades do homem e em um espírito de aventura intelectual e artística.
Segundo o crítico literário Harold Bloom, as criações do dramaturgo expressaram o conhecimento e o espírito da época moderna, que definiu a condição humana como entendemos hoje. Em Shakespeare, o homem é o responsável pela construção do próprio destino. Os personagens deixam de ser guiados pelo sobrenatural e assumem uma atitude crítica diante de suas vidas.
Bloom escreve: “Antes de Shakespeare, os personagens literários são, relativamente, imutáveis. Homens e mulheres são representados, envelhecendo e morrendo, mas não se desenvolvem a partir de alterações interiores, e sim em decorrência de seu relacionamento com os deuses. Em Shakespeare, os personagens não se revelam, mas se desenvolvem, e o fazem porque têm a capacidade de se autorrecriarem. Às vezes, isso ocorre porque, involuntariamente, escutam a própria voz, falando consigo mesmos ou com terceiros”.
A dramaturgia shakespeariana é conhecida por sua extensa galeria de personagens emblemáticos e todas as idades como Hamlet, Ofélia, Otelo, Iago, Cleópatra, Rei Lear, Macbeth, Desdêmona, Rosalinda, entre outros. Shakespeare criou mais de mil personagens, muitos são dotados de uma dimensão interior nunca vista antes nas histórias. Suas peças destacam-se pela profundidade filosófica e metafísica e pela complexa caracterização dos personagens. Segundo Bloom, esses fortes personagens são exemplos extraordinários não apenas de geração de significado, em lugar de sua mera repetição, como, também, de criação de novas formas de consciência.
A paixão mortal de Romeu e Julieta, que queriam se casar por amor e não por interesses (diferente dos costumes da Idade Média), o ciúme cego do mouro Otelo, que acaba destruído por esse sentimento doentio, a ambição de Macbeth, que assassina o rei para assumir o trono e a tragédia de Rei Lear, monarca que acaba por perceber que o poder é transitório. Esses conflitos podem ser encontrados em filmes e novelas da atualidade.
Seus personagens vão do desespero à felicidade, em tramas que falam de amor, loucura, guerra, disputa pelo poder, política, liberdade, amizade e paixão. "As coisas em si mesmas não são nem boas nem más. É o pensamento que as torna desse ou daquele jeito”, escreve Shakespeare.
Ele criou alguns dos primeiros anti-heróis da literatura, protagonistas que não possuem vocação heroica, tem um quê de malvado, podendo realizar a justiça por motivações egoístas, mas que contam com a empatia do público.
Uma das obras mais estudadas é Hamlet. Na trama, o príncipe da Dinamarca vive feliz, bajulado pelos amigos e pela corte. Quando recebe a visita do fantasma de seu pai, morto poucos dias antes, descobre que o tio – agora casado com sua mãe e dono do trono – é o assassino. A traição o deixa atormentado e Hamlet passa a questionar o valor da vida e questiona o dilema de vingar ou não o pai. Mas ele ficou paralisado pelo conhecimento de uma verdade profunda. A reflexão sobrepõe à ação, algo impensável na literatura até então.
“Ser ou não ser, eis a questão”, diz Hamlet, no ponto alto da peça. Muitos críticos entendem que essa frase simboliza o espírito existencialista do homem. Hamlet também provocou o interesse de Sigmund Freud, que o estudou sob a luz da psicanálise. “O conflito em Hamlet está tão eficazmente oculto que coube a mim desenterrá-lo”, escreve Freud em uma carta a um amigo.
Em se tratando de invenção, Shakespeare também foi um grande inventor de palavras. Ele inovou na linguagem ao introduzir palavras novas na língua inglesa, adaptar palavras de dialetos locais e usar várias formas da linguagem popular. Shakespeare usava um vocabulário muito vasto.
Naquele tempo, a língua inglesa ainda estava em formação e contava com cerca de 150 mil palavras. Em 1605, na Biblioteca de Oxford, entre os 6 mil volumes apenas 36 livros eram inglês. O dramaturgo usou em seus textos quase 20 mil palavras e criou mais de três mil novas termos. A linguagem estava sendo cunhada dentro do teatro. Hoje Shakespeare é considerado o maior escritor da língua inglesa.
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