“Ser ou não ser. Eis a questão”. “O amor é cego” - “Até tu, Brutus” -
“Meu reino por um cavalo” - “Há algo de podre no reino da Dinamarca” -
“Isso parece grego pra mim” - “Nem tudo o que reluz é ouro” - “O que não
tem remédio, remediado está” - “Mais pra lá do que pra cá” - “Sem
pregar o olho” - “Dias melhores virão”.
Você sabe quem criou essas frases e expressões tão populares?
Todas nasceram da cabeça de William Shakespeare
(1565-1616) e fazem parte de diálogos de suas peças. Ele foi autor de
38 peças (entre históricas, comédias e tragédias), como Hamlet, Romeu e
Julieta, Otelo, Macbeth, Sonho de Uma Noite de Verão, Ricardo III, Rei
Lear, A Megera Domada, A Tempestade, entre outras. Fora dos palcos,
escreveu 154 sonetos e uma variedade de outros poemas. Apesar de essas
histórias terem sido escritas há séculos atrás, elas ainda são atuais e
trazem temas que nos preocupam até hoje.
Shakespeare escreveu os
maiores clássicos do teatro se tornou o dramaturgo mais conhecido de
todos os tempos, tendo influenciado toda a produção teatral e literária
que viria depois. Também é o mais encenado do mundo. Em 2016
comemoram-se os 400 anos do nascimento do bardo inglês, que morreu aos
52 anos de idade.
Mas em que contexto surgiu o dramaturgo e qual foi o seu legado?
O mundo de Shakespeare era um mundo em transição, transformado pelo Renascimento, pelas Grandes Navegações que descobriram o Novo Mundo, pelo iluminismo e heliocentrismo de Copérnico (que provou que a Terra girava em torno do Sol). Novas tecnologias apareceram e mudaram tudo, como a invenção da prensa de Gutenberg,
que permitia a cópia de livros e impressos. As cidades começaram a
crescer e a burguesia a florescer, resultado das atividades mercantis.
Um mundo com maior presença da razão começava a ganhar força e a moldar
as raízes do homem contemporâneo. Apesar disso, guerras e violência
também se alastravam pela Europa, principalmente para a formação de
Estados.
O período que compreende o reinado da rainha Elizabeth I
(1558-1603) é considerado o auge do renascimento naquele país, com os
maiores destaques para a literatura e a poesia. Nessa época, um grupo de
jovens escritores começou a escrever peças e deu início ao chamado
teatro elisabetano, que se tornou o principal meio de entretenimento de
massa da época. Entre 1560 e 1642, mais de 50 milhões de pessoas
passaram por casas de espetáculos, um número soberbo se pensarmos que a
Inglaterra tinha 4,8 milhões de habitantes em 1600.
Os teatros,
na época, eram amplos prédios de madeira, abertos no teto e geralmente
circulares. Eles atraiam um grande público, que se distribuía em bancos
ao redor do palco. No teatro elizabetano, os autores exploraram novos
gêneros como as comédias românticas e as tragicomédias. O teatro começou
a disseminar a mudanças de costumes. Algumas companhias realizavam
turnês pelo interior, levando os espetáculos, recheados de críticas
sociais, para públicos que viviam longe das grandes cidades, divulgando
novas ideias e aumentando o interesse popular pela arte.
Filho
de um rico comerciante, em 1591, o jovem William Shakespeare decidiu
sair da cidadezinha de Stratford-upon-Avon e se mudou para Londres. Não
se sabe ao certo como começou a carreira. Tornou-se ator, escreveu peças
e virou diretor do Teatro Globe, o mais prestigiado da capital. Sua
trupe era considerada a número 1 da cidade e se apresentava para todo
tipo de plateia, conseguindo entreter ao mesmo tempo os nobres e o povo.
O dramaturgo assimilou o que já havia sido feito e impulsionou sua
criação em uma grande variedade de gêneros, como o drama histórico e a
comédia romântica.
A Idade Moderna
tirou Deus do centro do universo e colocou o homem em seu lugar. Uma
das características do Renascimento é o individualismo, que se
transformou em otimismo, na medida em que ampliou a crença nas próprias
potencialidades do homem e em um espírito de aventura intelectual e
artística.
Segundo o crítico literário Harold Bloom, as criações
do dramaturgo expressaram o conhecimento e o espírito da época moderna,
que definiu a condição humana como entendemos hoje. Em Shakespeare, o
homem é o responsável pela construção do próprio destino. Os personagens
deixam de ser guiados pelo sobrenatural e assumem uma atitude crítica
diante de suas vidas.
Bloom escreve: “Antes de Shakespeare, os
personagens literários são, relativamente, imutáveis. Homens e mulheres
são representados, envelhecendo e morrendo, mas não se desenvolvem a
partir de alterações interiores, e sim em decorrência de seu
relacionamento com os deuses. Em Shakespeare, os personagens não se
revelam, mas se desenvolvem, e o fazem porque têm a capacidade de se
autorrecriarem. Às vezes, isso ocorre porque, involuntariamente, escutam
a própria voz, falando consigo mesmos ou com terceiros”.
A
dramaturgia shakespeariana é conhecida por sua extensa galeria de
personagens emblemáticos e todas as idades como Hamlet, Ofélia, Otelo,
Iago, Cleópatra, Rei Lear, Macbeth, Desdêmona, Rosalinda, entre outros.
Shakespeare criou mais de mil personagens, muitos são dotados de uma
dimensão interior nunca vista antes nas histórias. Suas peças
destacam-se pela profundidade filosófica e metafísica e pela complexa
caracterização dos personagens. Segundo Bloom, esses fortes personagens
são exemplos extraordinários não apenas de geração de significado, em
lugar de sua mera repetição, como, também, de criação de novas formas de
consciência.
A paixão mortal de Romeu e Julieta, que queriam se
casar por amor e não por interesses (diferente dos costumes da Idade
Média), o ciúme cego do mouro Otelo, que acaba destruído por esse
sentimento doentio, a ambição de Macbeth, que assassina o rei para
assumir o trono e a tragédia de Rei Lear, monarca que acaba por perceber
que o poder é transitório. Esses conflitos podem ser encontrados em
filmes e novelas da atualidade.
Seus personagens vão do
desespero à felicidade, em tramas que falam de amor, loucura, guerra,
disputa pelo poder, política, liberdade, amizade e paixão. "As coisas em
si mesmas não são nem boas nem más. É o pensamento que as torna desse
ou daquele jeito”, escreve Shakespeare.
Ele criou alguns dos
primeiros anti-heróis da literatura, protagonistas que não possuem
vocação heroica, tem um quê de malvado, podendo realizar a justiça por
motivações egoístas, mas que contam com a empatia do público.
Uma das obras mais estudadas é Hamlet. Na trama, o príncipe da Dinamarca
vive feliz, bajulado pelos amigos e pela corte. Quando recebe a visita
do fantasma de seu pai, morto poucos dias antes, descobre que o tio –
agora casado com sua mãe e dono do trono – é o assassino. A traição o
deixa atormentado e Hamlet passa a questionar o valor da vida e
questiona o dilema de vingar ou não o pai. Mas ele ficou paralisado pelo
conhecimento de uma verdade profunda. A reflexão sobrepõe à ação, algo
impensável na literatura até então.
“Ser ou não ser, eis a
questão”, diz Hamlet, no ponto alto da peça. Muitos críticos entendem
que essa frase simboliza o espírito existencialista do homem. Hamlet
também provocou o interesse de Sigmund Freud,
que o estudou sob a luz da psicanálise. “O conflito em Hamlet está tão
eficazmente oculto que coube a mim desenterrá-lo”, escreve Freud em uma
carta a um amigo.
Em se tratando de invenção, Shakespeare também
foi um grande inventor de palavras. Ele inovou na linguagem ao
introduzir palavras novas na língua inglesa, adaptar palavras de
dialetos locais e usar várias formas da linguagem popular. Shakespeare
usava um vocabulário muito vasto.
Naquele tempo, a língua
inglesa ainda estava em formação e contava com cerca de 150 mil
palavras. Em 1605, na Biblioteca de Oxford, entre os 6 mil volumes
apenas 36 livros eram inglês. O dramaturgo usou em seus textos quase 20
mil palavras e criou mais de três mil novas termos. A linguagem estava
sendo cunhada dentro do teatro. Hoje Shakespeare é considerado o maior
escritor da língua inglesa.
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