Neste 25 de novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência
Contra as Mulheres, recuperamos um texto de José Saramago intitulado
"Problema de Homens":
Problema de Homens (publicado originalmente a 27 de julho de 2009)
Vejo nas sondagens que a violência contra as mulheres é o assunto
número catorze nas preocupações dos espanhóis, apesar de que todos os
meses se contem pelos dedos, e desgraçadamente faltam dedos, as mulheres
assassinadas por aqueles que crêem ser seus donos.
Vejo também que a sociedade, na publicidade institucional e em distintas
iniciativas cívicas, assume, é certo que só pouco a pouco, que esta
violência é um problema dos homens e que os homens têm de resolver.
De Sevilha e da Estremadura espanhola chegaram-nos, há tempos, notícias
de um bom exemplo: manifestações de homens contra a violência. Até agora
eram somente as mulheres quem saía à praça pública a protestar contra
os contínuos maus tratos sofridos às mãos dos maridos e companheiros
(companheiros, triste ironia esta), e que, a par de em muitíssimos casos
tomarem aspectos de fria e deliberada tortura, não recuam perante o
assassínio, o estrangulamento, a punhalada, a degolação, o ácido, o
fogo. A violência desde sempre exercida sobre a mulher encontrou no
cárcere em que se transformou o lugar de coabitação (neguemo-nos a
chamar-lhe lar) o espaço por excelência para a humilhação diária, para o
espancamento habitual, para a crueldade psicológica como instrumento de
domínio.
É o problema das mulheres, diz-se, e isso não é verdade. O problema é
dos homens, do egoísmo dos homens, do doentio sentimento possessivo dos
homens, da poltronaria dos homens, essa miserável cobardia que os
autoriza a usar a força contra um ser fisicamente mais débil e a quem
foi reduzida sistematicamente a capacidade de resistência psíquica. Há
poucos dias, em Huelva, cumprindo as regras habituais dos mais velhos,
vários adolescentes de treze e catorze anos violaram uma rapariga da
mesma idade e com uma deficiência psíquica, talvez por pensarem que
tinham direito ao crime e à violência. Direito a usar o que consideravam
seu. Este novo acto de violência de género, mais os que se produziram
neste fim-de-semana, em Madrid uma menina assassinada, em Toledo uma
mulher de 33 anos morta diante da sua filha de seis, deveriam ter feito
sair os homens à rua.
Talvez 100 mil homens, só homens, nada mais que homens, manifestando-se
nas ruas, enquanto as mulheres, nos passeios, lhes lançariam flores,
este poderia ser o sinal de que a sociedade necessita para combater,
desde o seu próprio interior e sem demora, esta vergonha insuportável. E
para que a violência de género, com resultado de morte ou não, passe a
ser uma das primeiras dores e preocupações dos cidadãos. É um sonho, é
um dever. Pode não ser uma utopia.
In O Caderno, José Saramago
Fonte: Fundação José Saramago